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domingo, 18 de julho de 2010

Síndrome afeta a vida social de famílias em Palmeira dos Índios

A família de Palmeira dos Índios: sofrimento e dificuldades na vida (Foto: Yvette Moura)

Por: ojornalweb.com - Gabriela Lapa

Quando o sol forte do agreste começa a esquentar, às 6h30 da manhã, três dos sete filhos de Quitéria Cecília da Silva já sabem que, se estão na rua, é hora de voltar para casa. Portadores de uma síndrome hereditária rara chamada displasia ectodérmica, eles não suportam a quentura dos raios solares mesmo nas primeiras horas da manhã. A família mora no povoado de Moreira, a 13 km de Palmeira dos Índios. A pobreza e a falta de informação contribuem para que eles não recebam qualquer tipo de assistência para os cuidados especiais de que os filhos precisam. Assim como outras pessoas que enfrentam o mesmo problema, no Estado, vivem o drama de lutar sem recursos contra um mal que a maioria dos médicos locais ainda desconhece.

A displasia ectodérmica é uma doença hereditária provocada pela má formação genética. Embora muitos profissionais de saúde discutam o problema nacional e internacionalmente, em Alagoas são poucos os que identificam o diagnóstico correto. Com três filhos portadores da síndrome, Quitéria Cecília recorreu a todos os médicos que pôde em Palmeira dos Índios, e até procurou ajuda em Maceió. Mas como a família de agricultores não tem recursos para insistir na busca, vive sem entender o problema dos filhos, tentando driblar a dificuldade com o conhecimento simples adquirido na zona rural.

Sem suor, lágrimas ou saliva

A aparência não foi o único problema enfrentado pela família ao perceber que havia algo de diferente nas crianças. Por causa da displasia, os três irmãos não conseguem transpirar. Sem glândulas sudoríparas, responsáveis por regular a temperatura do corpo ao liberar o suor, eles sentem calor o tempo todo. “Nem gosto de andar com eles na rua, no verão, porque ficam querendo se molhar. Quando eram pequenos, a gente tinha que deixar dentro de um balde para pararem de gritar”, lembrou Quitéria. “Um dia, coloquei o Marcelo numa bacia com muita água e fui varrer a casa. Quando terminei para olhar o que ele estava fazendo, vi o Marcelo dormindo dentro da água. Dormia na bacia, mas se eu colocasse para dormir na cama, acordava reclamando do calor”, contou a mãe.

Também por causa da displasia, os filhos de Quitéria e do marido Antônio têm dificuldade para produzir lágrimas e outros tipos de secreção, como a saliva. Antônio conta que, quando eram crianças e se machucavam, eles ficavam vermelhos, gritavam, mas não conseguiam chorar. “Um dia, o Márcio caiu. Ficou tão vermelho que tive que sacudir o corpo dele até o menino se acalmar”, relembrou.

“Já pedi a Deus pra tirá-los de mim”

Com a chegada dos outros filhos, Quitéria e o marido, Antônio Bernardo, só viram as dificuldades se multiplicarem. Marcelo, Márcio e José Carlos nunca puderam trabalhar para ajudar no sustento de casa, já que o contato com o sol é prejudicial e insuportável para eles. No verão, eles quase não saem. “Se eu for ajudar, tenho que ir bem cedo e voltar antes das 7h da manhã, que é quando o tempo começa a esquentar mesmo”, explicoou José Carlos. “Se insistir e ficar, o corpo seca e a sola do pé fica toda rachada”, lamentou.

Quitéria acompanha o sofrimento dos meninos e não esconde o desgaste emocional que essa limitação provoca nela. “Juro que já pedi a Deus para tirá-los de mim. Mas ele não tirou quando eram pequenos, então não vai tirar tão cedo. É uma cruz, um fardo que vou ter que carregar enquanto estiver viva”, desabafou a mãe.

Na casa pequena e modesta, a família busca alternativas para minimizar o problema dos filhos, mas sem recursos a tarefa não é fácil. “Era eu quem tinha que ficar molhando eles o tempo todo, quando eram crianças. Só tive paz depois que aprenderam a fazer isso sozinhos”, contou Quitéria. “Hoje, se passarem perto de um açude, os três correm logo para mergulhar”, completou o pai, Antônio Bernardo.

Márcio e Marcelo ainda se incomodam com o calor, mas José Carlos já se acostumou. “Ele é cheio de cerimônia para se molhar”, brinca Quitéria.

Água o tempo todo

A mãe não consegue explicação com os médicos palmeirenses, mas acredita que é por não se molhar com tanta frequência que o filho mais velho dá sinais constantes de alergia. “Ele tem um monte de feridas pelo corpo, fica se coçando quando faz mais calor”, conta.

José Carlos admite que a coceira incomoda, mas ele prefere não recorrer tanto aos baldes e garrafas de água. “Se eu ficar assim, não consigo nem sair na rua”, justifica. Quitéria lembra que os pequenos não ligam muito, e se molham frequentemente mesmo quando estão passeando em Palmeira dos Índios. “Eles até pedem água na casa das pessoas, na cidade. Quando elas dão, fica tudo bem. Mas quando não, é uma agonia; os meninos ficam reclamando, gritando, não param quietos”, explica.

Com aparência diferente, crianças são discriminadas

Tanto mistério em torno da doença dá margem para muita discriminação. Como os filhos de Quitéria, os portadores de displasia têm pouco ou quase nenhum cabelo, não possuem sobrancelhas, nem dentes. Os incisivos são pontudos e espaçados, e para melhorar a aparência da pessoa, a prótese dentária é a única alternativa. Além disso, os lábios e a testa são destacados, a pele é fina e tem rugas que dão uma aparência envelhecida, principalmente às crianças.

Na escola, todos os meninos enfrentam chacota dos colegas, mas segundo Quitéria, os mais novos não se importam. Já com José Carlos, as brincadeiras tiveram reflexo pior. “Deixei de estudar quando estava na sexta série. Não aguentei os colegas, nem o calor que sentia na sala de aula”, conta o rapaz, que confessa ter saudades de estudar. “As professoras gostavam de mim porque eu não era um dos mais burros. Português e biologia eram minhas matérias preferias”, recordou.

O irmão morreu de calor

Em toda a família, Quitéria só lembra de ter visto sinais de displasia ectodérmica em dois parentes: seu irmão, falecido aos 13 anos de idade, e uma sobrinha de 2 anos, sua vizinha no povoado. Ela conta que o irmão possuía as mesmas características físicas dos garotos e o mesmo calor interminável, mas os pais nunca entenderam a dimensão do problema que o filho enfrentava.

De origem humilde, sem o apoio de médicos que diagnosticassem devidamente a síndrome, pai e mãe tratavam o irmão de Quitéria com indiferença. “Ele dizia que não podia trabalhar na roça porque o sol queimava a pele, deixava ela seca, fazia passar mal. Mas o meu pai nunca entendeu; obrigava ele a ir para lá mesmo assim. Para escapar do calor, ele urinava e se molhava com a urina, parecia um porco. Um dia, não aguentou tanto sol e morreu”, relembrou com tristeza.

A sobrinha de 2 anos vive na mesma simplicidade, com a pele enrugada precocemente e os lábios estourados por causa do calor: situação que piora com a falta de assistência.

Hoje, a agricultora diz que tem um pouco mais de esclarecimento sobre a saúde dos filhos do que seus pais tinham à época, mas a falta de acompanhamento médico regular e de uma alimentação especial pesa na qualidade de vida deles.

Dificuldade também na capital

A dificuldade de lidar com a displasia ectodérmica não existe apenas em função da simplicidade de famílias como as de Quitéria. Por ser uma doença rara e, por isso, pouco conhecida, também oferece complicações principalmente emocionais às pessoas que precisam aprender a lidar com ela. Em Maceió, a dona de casa Cláudia Tenório acompanha o crescimento do filho, Júnior, de sete anos, com tanto sofrimento quanto o da família palmeirense, mesmo tendo conseguido orientação médica regular.

Ela descobriu que o filho era portador de displasia quando percebeu uma febre incessante, aos três meses de vida. “A médica não entendia o que era. Ele ficava muito quente. No começo pensei que fosse só febre, mas depois percebi que não passava”, lembrou a dona de casa.

Temperatura insuportável

Mas ainda que tenha atenção especial, diferente da família de palmeirenses, o filho de Cláudia também sofre com a impossibilidade de transpirar e sente muito calor o tempo todo. “A única coisa que deixa o Júnior calmo é a água. Quando não está molhado ele fica hiperativo, até agressivo”, conta. A família, que é natural de Garanhuns, em Pernambuco, mora no bairro do Jacintinho. Para minimizar o calor, no apartamento, Cláudia deixa o filho quase sempre de cuecas ou com uma blusa regata, que não abafe o corpo. Só nos dias mais frios e nublados é permitido usar uma bermuda ou blusa. “Se não for assim, ele fica vermelho e passa mal”, justificou.

Alimentação específica para suprir necessidade

O apoio de médicos que tinham conhecimento da displasia ectodérmica contribuiu com a construção de uma rotina mais saudável para o filho de Cláudia. Hoje, ela consegue dar uma alimentação que melhora a qualidade de vida dele, que tem uma aparência menos afetada pela anomalia genética. “Júnior não pode comer corante, senão fica todo pipocado, com manchas e feridas na pele. A comida tem que ser pastosa, já que ele não tem todos os dentes, e rica em ferro para compensar a anemia. Também tem que ter muita água, sempre”, explicou a dona de casa.

A luta e a incerteza no amanhã

Sem trabalhar, e sem benefício do governo, Cláudia luta para conseguir a aposentadoria do filho de sete anos. Ela aguarda o resultado de um exame feito há três anos, que pode atestar a displesia de Júnior, para requerer a aposentadoria. Até lá, conta apenas com a renda do marido e de um auxílio dado ao outro filho, portador de esquizofrenia, para garantir a criação do filho. “Ele precisa de um creme para ajudar a pele a não descascar, manter ela mais fria. Mas eu nunca comprei, é muito caro. Ao invés disso, uso hidratante normal”, revela. “Quando Júnior tinha dois anos, e sentia muito calor, descamava feito cobra. Uma vez, os lábios dele caíram, descamaram completamente. De lá para cá ele toma remédios controlados e vive melhor”.

Leia a matéria completa na edição deste domingo de O JORNAL

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